Depois do natal (5)

Na ceia de natal, depois de "dois dedos" de conversa, sentamo-nos todos à mesa.
Alguém tinha de fazer conversa e o meu pai achou por bem tomar a iniciativa.

- Vocês leram o Público de hoje? Leram a coluna que lá vinha de um gajo que costuma escrever no P2. Acho que se chama Desidério Murcho. Estava brilhante. Diz ele que os homossexuais ficaram muito incomodados com o discurso do Papa mas esquecem que o Papa também tem liberdade de expressão. Ele também tem direito a dizer disparates. Além disso, quem liga ao que ele diz? Os católicos são cada vez menos e nem esses ligam muito ao que o Papa diz.

Ainda estou a tentar perceber se o meu pai, que se farta de dizer que me conhece muito bem, achou mesmo que eu ia ficar calada perante tamanho disparate. O que lhe terá passado pela cabeça?

- Pois é. Aliás, eu nem sei porque é que de cada vez que o Presidente do Irão faz declarações públicas anti-semitas toda a gente se revolta. Ele não tem também direito a liberdade de expressão? E afinal, quantos são os iranianos? E mesmo os muçulmanos, nem todos concordam com ele. Não entendo porque nos preocupamos. Eu nem sou judia!


Irrita-me profundamente a leveza com que se aborda certos assuntos.
Mas irrita-me ainda mais que pessoas da minha família, que sabem que sou lésbica, comentem estes assuntos na minha presença de forma tão leviana.
Porque tenho de ser tolerante com isto? Até quando terei de o ser?


Ainda sobre este assunto: aqui.

9 sobreviveram ao "lápis azul":

Cris disse...

Excelente resposta! Qual foi a reacção do pai?

Gayja disse...

O tema morreu ali e seguiram rapidamente para outro. Por momentos consegui até ouvir o coração da minha mãe a bater. ;p

André disse...

E dizeres-lhes que isso te magoa, não?
(Calma... )
:*

Gayja disse...

André, ele ainda está numa fase de negação demasiado primária... Para ele, não há qualquer problema porque apesar de eu já lhe ter dito mais do que uma vez que me relaciono com mulheres (e ele vai sabendo das minhas relações através da minha mãe) insiste que eu não sou gay.
Entra numa contradição engraçada: diz que no máximo eu serei bissexual como somos quase todos e que por isso me relaciono com mulheres por opção. Ainda que eu fosse bissexual, a atracção por mulheres não está implícita nesse conceito?
Há mais de 2 anos que lhe disse. Ele não quer ouvir. Não há conversa possível (ou quando esse tipo de conversas ocorre, alguém acaba a chorar).
Posso estar enganada, mas parece-me que tu tens mais sorte...

*bjs*

Marta Rema disse...

e o que é que farias se decidisses que se tinha acabado a tolerância?

Gayja disse...

Acho que começava por mencionar o nome da minha namorada à frente dele. Depois, se calhar, deixava de pensar duas vezes cada vez que vou contar algo que a envolve. Muito provavelmente também deixaria de ter qualquer cautela e não teria pudor em chamar-lhe directamente homofóbico. Entre outras coisas...

Anônimo disse...

...talvez dizer-lhe que o amas muito e que as mulheres da tua vida nunca vão tirar o lugar que ele tem no teu coração...?


sand

Gayja disse...

É pá... Menos, menos... Eu não sou nada dessas coisas. :)

André disse...

Mmmm. Eu diria que a situação me é familiar. durante muito tempo os meus pais refugiram-se no pensamento "se calahar é bi". Muito mesmo. Mas como continuei a comportar-me de forma um pouco mais aberta, depois de lhes dizer, aos poucos essa "dúvida" foi-se esbatendo. Por isso acho que um pouco mais de tempo e tu evidenciares-te um pouco mais, ajuda.
Beijos